ENTREVISTA COM O PROF. JOSÉ GOLDEMBERG

ENTREVISTA COM O PROF. JOSÉ GOLDEMBERG, CONVERSANDO SOBRE VÁRIOS TEMAS MUNDIAIS ATUAIS NA ÁREA ENERGÉTICA, CONCEDIDA AO BLOG FONTES DE ENERGIA EM 14/11/12 



José Goldemberg
BLOG FONTES DE ENERGIA: As restrições ambientais têm provocado atrasos e limitações de projeto às usinas hidrelétricas atualmente em construção no Brasil, principalmente as da região Amazônica. Daqui para frente, só teremos usinas hidrelétricas a fio d'água, ou seja, não teremos mais usinas com reservatório por conta dessas questões?

PROF. GOLDEMBERG: Isto é o que tem ocorrido desde 1985 e o resultado está se mostrando muito problemático. Sem reservatórios a geração hidroelétrica depende da quantidade de chuva que é muito irregular. Justamente a finalidade dos reservatórios é regularizar o fluxo de água na usina hidroelétrica. Foi a falta de chuva que levou ao “apagão” de 2001.

BLOG FONTES DE ENERGIA: Para um sistema elétrico de qualquer país, é possível manter um fornecimento seguro, ou seja, fornecer energia quando houver demanda, sem hidrelétricas com reservatório e sem térmicas, incluindo as nucleares?
PROF. GOLDEMBERG: Com hidroelétricas a fio d’água o fornecimento de energia nos períodos secos do ano depende de usinas térmicas que são, de modo geral, péssimas para o meio ambiente. Fazer reservatórios em muitos casos provoca menos impactos ambientais do que usar térmicas a carvão e óleo combustível. É preciso comparar custos (ambientais) e benefícios e tomar decisões nesta base.

BLOG FONTES DE ENERGIA: Quais as barreiras tecnológicas que ainda existem para a exploração plena do pré-sal? Há estimativas, em um cenário otimista, de que talvez haja, cerca de, 100 bilhões de barris de petróleo nas reservas do pré-sal. O senhor acredita nessa expectativa e qual o fundamento para tal previsão?

PROF. GOLDEMBERG: As estimativas otimistas para o pré-sal (100 bilhões de barris) são exageradas. Realisticamente, no momento, só se pode pensar em 10 ou 15 bilhões o que dobra as reservas brasileiras de petróleo que são estimadas em 15 anos (na atual taxa de consumo de 2 milhões de barris por dia). O petróleo do pré-sal vai ser caro – cerca de 60 dólares por barril e não se pode esperar uma produção muito elevada antes de 2020.

BLOG FONTES DE ENERGIA: O que o senhor acha da perspectiva japonesa de "zerar" a fonte nuclear (cerca de 30%) na matriz energética e substituí-la por fontes renováveis, essencialmente eólica e solar, até 2030, do ponto de vista do fornecimento contínuo de energia, sem contar que, na transição de uma matriz por outra, térmicas a combustíveis fósseis serão acionadas?

PROF. GOLDEMBERG: Acho realista. Na transição, térmicas a combustíveis fósseis serão acionadas, mas a racionalização do uso de energia no Japão (isto é, maior ênfase na eficiência energética) está ajudando. Além disso, o custo das fontes renováveis está caindo de modo que o Japão poderá efetivamente abandonar a opção nuclear.

BLOG FONTES DE ENERGIA: A China utiliza, cerca de, 70% de carvão em sua matriz. Algum dia, no futuro, com o crescimento das renováveis principalmente, podemos esperar que esse país diminua a utilização desse combustível para, por exemplo, algo em torno de 40% (abaixo dos EUA)?

PROF. GOLDEMBERG: Sim, porque a China está usando tanto carvão porque as usinas termoelétricas do país são da geração antiga com baixa eficiência. As novas usinas com ciclo combinado e outros tem aperfeiçoamentos que permitem produzir mais eletricidade queimando a mesma quantidade de carvão.

BLOG FONTES DE ENERGIA: O smat grid tem alguma chance de ser implantado no Brasil nos próximos 10 anos? 

 PROF. GOLDEMBERG: Sim, já existem projetos de demonstração pioneiros em implantação (em Aparecida do Norte, por exemplo) e a ANEEL baixou portarias que vão permitir o uso desta tecnologia em todo o país sobretudo em cidades distantes não atingidas pela rede e onde a eletricidade é muito cara.

BLOG FONTES DE ENERGIA: Qual a opinião do senhor com relação à MP 579 adotada pelo governo em 11/09/12?

PROF. GOLDEMBERG: Precipitada. Não é realista esperar que o custo de eletricidade baixe 20% renovando as concessões das geradoras de energia elétrica. Geração representa apenas 10% do custo final da eletricidade. O resto do custo vem da transmissão, distribuição e impostos. Baixar o custo de geração é possível, mas não permitirá reduzir a conta de eletricidade sem que os outros custos sejam também reduzidos.

BLOG FONTES DE ENERGIA: Térmicas à biomassa são viáveis do ponto de vista econômico e de capacidade de fornecimento de energia?

PROF. GOLDEMBERG: Claro e no Estado de São Paulo cerca de 2.000 megawatts já estão sendo comercializados. Poderiam ser 6.000 megawatts se ajustes fossem feitos nos leilões de eletricidade nova. A teimosia do Governo em não fazer licitações separadas para as diferentes formas de energia é que é responsável pelo baixo aproveitamento deste grande recurso que dispomos que é produzir eletricidade com bagaço de cana.

O professor José Goldemberg é doutor em ciências físicas pela USP, sendo reconhecido em todo mundo por seus notáveis trabalhos e grande conhecimento. Ocupou vários cargos de relevância nos governos federal e estadual no Brasil, tais como Secretário do Meio Ambiente da Presidência da República; Ministro da Educação do Governo Federal e Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

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